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27.5.09

Visão

Uma noite, meu Deus, que noite aquela!
Por entre as galas, no fervor da dança,
Vi passar, qual num sonho vaporoso,
O rosto virginal duma criança.

Sorri-me - era o sonho de minh'alma
Esse riso infantil que o lábio tinha:
- Talvez que essa alma dos amores puros
Pudesse um dia conversar co'a minha!

Eu olhei, ela olhou... doce mistério!
Minh'alma despertou-se à luz da vida,
E as vozes duma lira e dum piano
Juntas se uniram na canção querida.

Depois eu indolente descuidei-me
Da planta nova dos gentis amores,
E a criança, correndo pela vida,
Foi colher nos jardins mais lindas flores.

Não voltou; - talvez ela adormecesse
Junto à fonte, deitada na verdura,
E - sonhando - a criança se recorde
Do moço que ela viu e que a procura!

Corri pelas campinas noite e dia
Atrás do berço d'ouro dessa fada;
Rasguei-me nos espinhos do caminho...
Cansei-me a procurar e não vi nada!

Agora como um louco eu fito as turbas
Sempre a ver se descubro a face linda...
- Os outros a sorrir passam cantando,
Só eu a suspirar procuro ainda!...

Onde foste, visão dos meus amores!
Minh'alma sem te ver louca suspira!
- Nunca mais unirás, sombra encantada,
O som do teu piano à voz da lira?!...

Casemiro de Abreu - 1858

***

Ao poeta Casemiro de Abreu

A você que se foi jovem, que viveu sempre jovem, e que amou como quem vislumbra ao mundo pela primeira encarnação, digo-te o que decerto já sabes: nesse imenso oceano de vida, não há espaço para se lamentar; Ah que se abrir os olhos, ver o mar, correr para o mar e o sentir... Sua mãe era quem tinha razão!

***

Crédito da foto: Ju!

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2 comentários:

Anonymous Anônimo disse...

Raph:

Excelente escolha. Adoro os poemas do Casemiro, são simples e profundos.

Esse, então, é delicioso.

Abs.

27/5/09 16:33  
Blogger raph disse...

Obrigado... Mas deixa eu ser sincero, na verdade conheci ele a pouco tempo, que bom que minha escolha de poema foi boa :)

27/5/09 17:46  

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