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6.1.10

Algumas reflexões, parte 1

O pequeno sábio

Um dos primeiros conselhos de genuína sabedoria que recebi foi quando ainda era um garotinho, aprendendo a andar a cavalo em Monte Verde, no sul de Minas Gerais. Eu havia escorregado da cela enquanto meu cavalo estava galopando, e fiquei com o pé enroscado no estribo – de modo que o máximo que podia fazer para evitar ser esfolado pelos cascos do cavalo era segurar com toda a força na correia, e rezar para que ele parasse de galopar.

Mas não me lembro se na época eu sabia rezar, provavelmente não, visto que ainda hoje não sei bem. Em todo caso, havia um outro garotinho que me seguia, em outro cavalo, apenas este era parente do homem que alugava os cavalos, e tinha bem mais experiência no ramo, apesar da idade. Foi ele quem fez o meu cavalo parar de galopar, até que pudesse pará-lo para que eu pudesse me desenroscar do estribo e finalmente me dar por seguro, são e salvo!

Talvez não me lembrasse bem desses eventos, não fosse pelo que o garoto me disse após perceber que eu estava apavorado com a idéia de ter de subir de novo na sela do cavalo – afinal ainda estávamos no meio do caminho e tínhamos de retornar ao hotel onde o dono dos cavalos nos aguardava:

“Agora você tem de subir de novo, senão vai ficar com medo, e nunca mais vai andar a cavalo!” – Falou o sábio-mirim, do alto de seus poucos anos de experiência com o hipismo.

“Subir de novo? Mas eu quase me arrebentei agora pouco... Prefiro voltar puxando o cavalo pela correia...”

“Você até pode voltar no meu, se quiser... Mas o melhor é você voltar no mesmo cavalo, que daí vai dominar o medo, e ele não volta mais.”

E foi o que eu fiz. Parece incrível, mas eu nunca tive medo de andar a cavalo, por mais que tenha visto gente caindo do cavalo na minha frente. Por mais que tenha galopado por terrenos escorregadios e quase – por mais de uma vez – tenha voltado a cair do cavalo... Quem sabe qual é o segredo para dominar o medo? Em todo caso, fato é que nunca mais enfiei minha canela adentro do estribo!

O sujeito que me deu o tal conselho, o fez do fundo de sua alma. Ele não era meu parente nem meu amigo, e não tinha idade para trazer algum mal obscuro no coração. Eu me lembro de seu olhar e seu riso disfarçado, que tampouco era de zombaria – ele decerto havia passado pela mesma situação que eu, e decerto deve ter ficado com medo de andar a cavalo de novo, e decerto alguma outra pessoa o incentivou a vencer o medo, até mesmo porque no seu caso, ele não tinha escolha: seus pais viviam do aluguel de cavalos, e ele tinha de ajudá-los.

É pena eu não ter transportado tal conselho para outros eventos traumáticos em minha vida. Quem sabe, se hoje tenho alguns de meus medos, é porque não tive a coragem de encará-los frente a frente ainda lá no início, na primeira vez que bateram a minha porta.

Continua em "A profetisa"...

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Crédito da foto: Edu Hana

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