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14.7.10

Mito da criação

Na eternidade existia o Ser, aquele que simplesmente é.
Percebendo o Ser que nada mais poderia haver ali além dele próprio, o Ser pensou: “que se faça a luz!”
E irradiou-se da eternidade para a ante-sala de seu Reino.
E, tendo preenchido todo o Reino, o Ser soube que era bom.

Movimentando-se em sua ante-sala, o Ser refletia sobre si mesmo.
E, a cada reflexão, um universo brotava de sua mente.
E assim, nesse movimento, universos iam e vinham de sua fronte, como num piscar de olhos.
E, tendo percebido que cada universo continha uma nova história, o Ser soube que era bom.

Seu plano para cada universo era cuidadosamente elaborado em sua mente, entre os momentos em que apenas refletia sobre si mesmo...
Cada universo tinha uma substância, e essa substância os preenchia por completo – cada estrela, planeta e partícula.
E para que houvesse movimento, o Ser permitiu que a substância fosse maleável.
E para que os seres conscientes que brotassem pudessem renascer quantas vezes fossem necessárias, o Ser permitiu que a maleabilidade da substância construísse uma sequência de eventos na consciência dos seres.
E para que tudo não fosse determinado, o Ser permitiu que um átimo dessa maleabilidade ficasse a cargo dos pensamentos e da vontade dos próprios seres conscientes.

Tendo erigido o infinito em seu próprio Reino, o Ser decidiu aventurar-se em seus próprios pensamentos.
E desde então tem sido testemunha do nascer e morrer dos sóis, do raro alvorecer de vidas em algumas de suas pedras, e até do surgimento de seres conscientes.
E tem observado todas as conquistas e desgraças, todas as juras de amor e todos os olhares indiferentes, e mesmo o início e o fim dos grandes impérios...
E tendo visto tudo isso, jubilou-se mesmo foi com o conhecimento que os seres elaboraram sobre o próprio Ser – pois que lembravam seus momentos de auto-reflexão.

Dizem os iniciados que vez por outra o viram, escondido no tronco oco de uma árvore ou atrás de uma nuvem... As vezes mesmo mais distante, navegando entre as estrelas...
E dizem eles ainda que alguns perguntaram seu nome, e ele simplesmente disse:
“Eu sou”.


raph'10

***

» Este conto iniciou a série "Mito da criação" - obrigado, Nath :)

Crédito da foto: jkairvar

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7 comentários:

Blogger Thomas Marinho disse...

Que delícia este espaço! Principalmente neste momento da minha vida... em que busco algum sentido, em que busco acreditar em algo. Sempre fui agnóstico... mas passo por um momento em que preciso e gostaria de acreditar mais no invisível; o seu blog tem me ajudado! Permita-me duas pergunta:

Noto que simpatiza com o Espiritismo... posso concluir, portanto, que você acredita (com "firmeza") na vida (consciente) eterna?

E em Deus... acredita? Ou é um agnóstico com uma inclinação maior para o credo no Ser?

Parabéns pelo blog!

Forte abraço.
Thomas

15/7/10 21:16  
Blogger raph disse...

Oi Thomas, que bom que os textos do blog podem se tornar algo mais do que simples textos, na medida em que interagem com a sua vida :)

Eu não tenho nenhuma pretenção de influenciar ninguém em sua crença ou descrença, mas tendo dito isso, posso dizer que sou sim um simpatizante do espiritismo (minha religião é meu pensamento) e que portanto sou um reencarnacionista:

http://textosparareflexao.blogspot.com/2009/01/porque-simpatizo-com-o-espiritismo-i.html

Não sei se a vida (espiritual) é eterna, mas creio que dura bem mais do que o apagamento dos sóis (parafraseando Gibran)...

***

Sobre Deus, acredito que estou dentro do conceito do Deísmo ou Panteísmo, mais precisamente nos moldes do Deus que Espinosa construiu (através da pura reflexão e lógica) em sua "Ética"...

Abs!
raph

16/7/10 01:44  
Blogger Sergio Junior disse...

Raph, seus textos são sublimes e leves, como algodão doce, que como quando come, nos leva à infância... você nos leva ao limite da alma. Magnífico!

16/7/10 12:58  
Blogger raph disse...

Pois é Haverton, quando a gente percebe que o Jesus do Evangelho de Tomé estava falando mais ou menos a mesma coisa que Lao Tsé, ou Espinosa, ou ainda Joseph Campbell, a gente tem que admitir que existe aí no mínimo um conhecimento universal, abrangente...

A propósito essa citação do Ev. de Tomé aparece em vários contos e artigos do blog, se reparar com cuidado :)

O blog tb hospeda o Ev. de Tomé aqui:

http://textosparareflexao.blogspot.com/2008/12/o-evangelho-de-tom-i.html

Abs!
raph

16/7/10 17:29  
Blogger raph disse...

Oi Sergio, obrigado pelo comentário...

Aliás, o pessoal que comenta aqui parece que está tão ou mais inspirado quanto eu ao comentar :)

Alegria!
raph

16/7/10 17:31  
Anonymous Alessandro disse...

"E tendo visto tudo isso, jubilou-se mesmo foi com o conhecimento que os seres elaboraram sobre o próprio Ser – pois que lembravam seus momentos de auto-reflexão."

Esse trecho foi o ápice. Inspiração sensacional...! Parabéns!

22/4/11 20:52  
Blogger raph disse...

Oi Alessandro,

Obrigado, realmente a inspiracao para esse conto foi bastante rara...

Em breve postarei no blog um serie de artigos onde basicamente tentarei desvendar o que exatamente quis (?) dizer com esse trecho:

"o Ser permitiu que a maleabilidade da substância construísse uma seqüencia de eventos na consciência dos seres"

Abs
raph

22/4/11 23:06  

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