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6.7.10

O homem que esquecia, parte 2

continuando da parte 1

Com o tempo, as anotações no Caderno de Oliver deram resultado: afora o fato de que ele gastava cada vez mais tempo lendo-o todas as manhãs, sua vida conjugal parecia bem mais normal agora... Para Maria e as gêmeas, era quase como ter o marido e o pai de volta, após uma breve pausa para leitura. No final das contas, Maria acabou tendo ciúmes das estrelas: é que Oliver esquecia da esposa, mas jamais esquecia das posições das estrelas.

Após chegar as mil páginas, Oliver teve de contratar um biógrafo para poder resumir sua própria história conjugal, senão só lhe restaria tempo de trabalhar a noite – teria de gastar todo o dia lendo sobre sua vida com as três Marias... Deu certo, mesmo quando suas filhas já estavam chegando na época do vestibular, o biógrafo conseguia resumir tudo em umas 500 páginas. A vida parecia mais superficial, mas funcionava, e sobrava o tempo necessário para continuar observando estrelas...

Maria Cristina queria ser cineasta, e Maria Luísa jornalista. Ainda que os pais tenham insistido, nenhuma das duas quis fazer documentários ou artigos sobre ciência... Elas achavam que esse negócio de ser cientista que tinha deixado o pai daquele jeito meio esquisito – embora o amassem como o melhor pai do mundo. O pai que retomava sua paternidade a cada nascer do sol.

Era uma vida feliz, novamente. Mas quiseram os deuses da fortuna que a história de Oliver e das três Marias se complicasse uma vez mais... Não se sabe se foi pelo estresse da situação conjugal, mas após o acidente de Oliver, Maria havia voltado a fumar – coisa que havia feito brevemente na adolescência, mas desde o acidente tinha retornado com força total: três maços por dia. Ela chamava-os de as três Marias também. O resultado foi câncer no pulmão, descoberto fora de hora. Que coisa, uma bióloga que não se cuidou... Acontece.

Quando visitava a esposa no leito do hospital, Oliver não se conformava com sua sorte: “Meu Deus, para que descobrir que tenho uma família tão linda todas as manhãs, se a noite percebo que estou prestes a perdê-la?”. Maria havia desenvolvido uma grande sabedoria através dos anos, e sempre respondia seu amado da mesma forma: “Não chore. Pior seria você não ter sobrevivido e suas filhas não terem crescido com um pai tão maravilhoso ao lado. Se estou assim não é culpa de Deus ou da sorte, mas do câncer que eu mesmo procurei sem saber... Em todo caso, é melhor amar e perder, amar e esquecer, do que nunca haver sequer amado!”

A beleza dos discursos de Maria só foi aumentando na medida em que se aproximava de sua hora... Mas para Oliver era sempre um único discurso. Não havia tempo para elaborar a perda: ele percebeu que em verdade perdia a quase todos que amava todas as noites. Era difícil se conformar...

Quando Maria finalmente se foi, Oliver pediu às filhas que lhe levassem para a cidade nas montanhas onde viviam dois de seus irmãos... Ele queria descansar de todo aquele sofrimento. Para seu biógrafo, fez um pedido especial: queria uma versão do Caderno do Amor onde não houvesse encontrado Maria. Nem encontrado nem perdido. Queria que as filhas fossem adotivas... Disse que queria ler assim sua vida, apenas durante as férias que ia passar nas montanhas. Suas filhas concordaram, em todo caso já estavam atarefadas demais na faculdade para dar suporte ao pai.

Vivendo nas montanhas Oliver parecia vivo e cheio de si novamente. Sempre perguntava das filhas, mas continuava fascinado pelas estrelas. Observava sempre as três Marias e se perguntava se não havia conhecido uma terceira Maria...

Como seus irmãos não consideravam suas questões, terminou por admitir: “Bem, são só estrelas mesmo.”

continua na parte 3 (final)

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Crédito da foto: viedeia

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