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21.4.11

Médium de mim mesmo

Como alguns devem saber, estou de novo perambulando pelo Rio, e em meio a correria do centro da cidade, tive a oportunidade de visitar a exposição de Fernando Pessoa no centro cultural dos correios, no que subitamente me senti como que deslocado do tempo e do espaço. Todo centro de cidade grande deveria ter uma exposição permanente como essa, ou de Tagore, ou de Gibran, ou de poetas afins, médiuns deles mesmos...


Tive sempre, desde criança, a necessidade de aumentar o mundo com personalidades fictícias, sonhos meus rigorosamente construídos, visionados com clareza fotográfica, compreendidos por dentro de suas almas. Não tinha eu mais que cinco anos, e, criança isolada e não desejando senão assim estar, já me acompanhavam algumas figuras de meus sonhos – um capitão Thibeaut, um Chevalier de Pás – e outros que já me esqueceram, e cujo esquecimento, como a imperfeita lembrança daqueles, é uma das grandes saudades da minha vida.

(...) Esta tendência não passou com a infância, desenvolveu-se na adolescência, radicou-se como crescimento dela, tornou-se finalmente a forma natural de meu espírito. Hoje já não tenho personalidade: quanto em mim haja de humano, eu o dividi entre os autores vários de cuja obra sou o executor. Sou hoje o ponto de reunião de uma pequena humanidade só minha.

(...) Médium, assim, de mim mesmo, todavia subsisto. Sou porém menos real que os outros, menos coeso, menos pessoa, eminentemente influenciável por eles todos.

Carta ao casal Monteiro.


Pertenço a uma geração – supondo que essa geração seja mais pessoas que eu – que perdeu por igual a fé nos deuses das religiões antigas e a fé nos deuses das irreligiões modernas. Não posso aceitar Jeová, nem a humanidade. Cristo e o progresso são para mim mitos do mesmo mundo. Não creio na Virgem Maria nem na eletricidade.

Barão de Telve, "A educação do estoico".


Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!

Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.

Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.

"Mar português".


***

Crédito da foto: Viviam Carvalho (exposição de Fernando Pessoa, quando em São Paulo)

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1 comentários:

Blogger raph disse...

Na web muitas vezes esta passagem não contém a última vírgula:

"Médium, assim, de mim mesmo, todavia subsisto"

Originalmente havia postado sem a vírgula, mas como visitei a exposição de novo, comprovei que realmente havia a última vírgula, por isso optei por seguir o texto da exposição.

Obviamente que essa vírgula tem suma importância na interpretação do texto, mas prefiro que cada um descubra a importância por si mesmo :)

Abs
raph

30/4/11 14:32  

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