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30.7.11

Buscaglia no Camboja

Parte (1 de 3) do interlúdio da série de artigos "4 amores"

Neste trecho do livro "Vivendo, Amando e Aprendendo" (ed. Nova Era), Leo Buscaglia nos fala sobre os anos que passou na Ásia, e sobre a grande lição que aprendeu no Camboja - uma lição sobre a transitoriedade da vida, e a permanência do amor:

O vídeo foi criado por alunos de Publicidade da UNIFIEO.

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29.7.11

4 amores, parte 3

« continuando da parte 2

Nós mesmos seremos amados por pouco tempo e depois esquecidos. Mas o amor terá sido suficiente; todos aqueles impulsos do amor retornam ao amor que os produziu. Mesmo a memória não é necessária no amor. Existe uma terra da vida e uma terra da morte e a ponte é o amor, a única sobrevivência, o único significado. (Thornton Wilder)

Filia: a felicidade

Em algum canto de 1969, um homem começa a falar do amor. É a primeira aula de um curso sem direito a créditos da Universidade da Califórnia do Sul (USC), nos EUA. O nome do curso é Love 1A, e quando Leo Buscaglia o propôs a reitoria, nem o seu prestígio como professor adorado pela grande maioria dos alunos evitou que tentassem dissuadi-lo da ideia. “Vai ser ridículo, qual aluno vai querer passar o semestre inteiro estudando sobre o amor?”.

No entanto, a primeira aula já conta com mais de 20 alunos. Em realidade, nos anos seguintes, o Love 1A se tornaria um sucesso estrondoso, com até 200 inscritos todo ano, e cerca de 600 na lista de espera (o que era, em todo caso, o máximo). Por todos os cantos do mundo dito civilizado, as pessoas suplicam por amor, por senti-lo, por compreendê-lo, por viver em seu nome... Mas quão poucas efetivamente dão ao menos um passo em sua direção. A aula do professor Buscaglia talvez fosse à maneira mais simples de começar a caminhada.

O Dr. Amor, como eventualmente chegou a ser conhecido, já como famoso palestrante da televisão americana, e tendo seus livros vendidos no mundo todo, nos contou sobre o principal motivo pelo qual tomou coragem para propor uma aula sobre o amor: “No inverno de 1969, uma de minhas alunas, inteligente e sensível, suicidou-se. Pertencia a uma distinta família de classe média alta. Seu aproveitamento escolar era excelente. Era muito querida por todos e tinha sempre programas para fazer. Num determinado dia de janeiro, foi de carro para os penhascos de Pacific Paradises, em Los Angeles, deixou o carro ligado, caminhou até a beira de um rochedo íngreme que se debruçava sobre o mar e pulou para a morte. Não deixou qualquer bilhete, nem uma palavra de explicação. Tinhas apenas 20 anos.”

Há muitos que dizem que o pós-modernismo comprovou a falência das ideologias racionalistas, que prometiam que a idade da razão, da ciência e da tecnologia, nos elevaria a um novo patamar de saúde, progressos e realizações. Na verdade o que aumentou foi nossa expectativa de vida e nosso índice de desenvolvimento humano, mas as questões profundas, espirituais, permaneceram sem solução... Buscaglia descobriu, talvez após passar dois anos viajando pelo Oriente, que não seriam os intelectuais, os cientistas, os padres e pastores, e muito menos o governo, quem resolveriam nossa questão com o amor – teríamos de buscá-lo por nós mesmos. Não são vacinas, comprimidos, carros do ano, livros de auto-ajuda, livros sagrados, sermões religiosos ou científicos, nem mesmo homens pregados em cruzes para morrer, quem nos salvam... Apenas o amor nos salva, e por isso era vital aprender a amar.

Após muito debater com os próprios alunos acerca do amor, e também se baseando na extensa obra de mais de 400 autores, Buscaglia chegou a algumas premissas básicas acerca do tema:

(a) Ninguém pode dar aquilo que não possui. Para dar amor, você deve ter o amor; (b) Ninguém pode ensinar aquilo que não sabe. Para ensinar o amor, você precisa compreendê-lo; (c) Ninguém pode conhecer aquilo que não estuda. Para estudar o amor, você precisa viver no amor; (d) Ninguém pode apreciar aquilo que não aceita. Para aceitar o amor, você deve tornar-se receptivo a ele; (e) Ninguém pode ter dúvida daquilo em que deseja acreditar. Para acreditar no amor, você deve estar convencido do amor; (f) Ninguém admite aquilo a que não se entrega. Para se entregar ao amor, você deve ser vulnerável a ele; e finalmente: (g) Ninguém vive aquilo a que não se dedica. Para se dedicar ao amor, você deve estar sempre crescendo no amor.

Ora, e o que seria exatamente crescer no amor? Em sua tentativa de equacionar o amor, os cientistas o chamaram de “uma relação de troca onde há benefícios mútuos”, e o colocaram como alguma espécie de atividade onde o produto final é, coletivamente, sempre superior ao estado inicial, individualmente. E os cientistas tinham razão. Mas aí está o estranho paradoxo: quem doa amor, nada perde, apenas ganha ainda mais amor. Eis que o amor empresta sua essência do infinito, e a matemática do infinito está além de qualquer razão, de qualquer equação...

Após ter passado pelos outros amores – porno, onde seres são utilizados como coisas; e eros, onde há um troca genuína, porém fugaz, de prazer –, acredito que finalmente tenhamos chegado a um patamar mais profundo: filia (ou philia) é a palavra grega para amizade e irmandade. Todos sabemos que o ato sexual tem sua duração, que apesar de poder ser prolongada por até mesmo por várias horas através de técnicas orientais pouco conhecidas da maioria, certamente não irá durar por semanas, muito menos por anos. Numa analogia, podemos afirmar que a paixão que se baseia na atração sexual também terá seus dias contados. Por muitos séculos, e através de muitas sociedades distintas, a principal função do amor era a reprodução e, quem sabe, a educação dos filhos. No final das contas, os casamentos serviam mais para que a continuidade do sangue familiar fosse garantida, do que para que houvesse efetivamente uma relação de amor entre os seres. Se não acreditam nisso, pesquisem sobre a história das monarquias europeias, e todos os seus reis e rainhas, e todos os seus casamentos “sagrados”.

Mesmo nas formas de poligamia, há muito das questões da reprodução e proteção mútua envolvidas. Nas épocas de escassez de alimentos e, sobretudo, nas épocas de guerras, eram as grandes famílias que sobreviviam, e muitas culturas optaram por não se limitar pela monogamia. Mas a monogamia existe, certamente que existe: temos raros e belos exemplos de homens e mulheres que permaneceram companheiros de outros homens ou mulheres por anos a fio; por vezes, por toda uma vida...

Ora, mas se formos analisar do ponto de vista pura e simplesmente evolucionista, mecanicista, animal, a monogamia é antes um grande desperdício: para que desperdiçar uma vida se reproduzindo apenas com uma outra pessoa, se teremos maiores chances de propagar nossos genes nos reproduzindo com o maior número de pessoas, e as mais saudáveis possíveis? Porque, enfim, sermos homossexuais, e, quando muito, adotarmos e criarmos os filhos dos outros, nos abstendo de propagar nossos próprios genes? Talvez, porque no fundo, aqueles que conseguiram chegar a esse patamar de amor são antes companheiros do que amantes, antes seres que buscam a fecundação de amizades, e não de óvulos.

Também no campo religioso, quem chega a essa distinta concepção do amor, não trata a Deus como um agente de barganhas ou um simples mantenedor de rituais sagrados. Antes o entendem como um amigo, aquele amigo que podem sempre contar, pois que hoje sabem que nunca os abandonou, e tampouco poderia abandonar – sua essência nos preenche a todos, ele está em tudo o que existe.

E é aqui, nessa distinta passada no caminho do infinito, que percebemos pela primeira vez o êxtase que se sinaliza no horizonte à frente... Pela primeira vez sentimos um facho de luz da felicidade pura a nos ricochetear pela alma – não aquela alegria que sempre esteve fadada a ser, brevemente, substituída por alguma tristeza, para logo após virar alegria novamente; mas antes aquele contentamento interno, aquela paz de espírito, aquela felicidade que permanece.

Todos somos ainda alunos do curso Love 1A, e foi exatamente um dos alunos de Buscaglia quem nos trouxe uma definição que talvez resuma da melhor forma essa espécie de amor de que estive falando:

“Acho que o amor é muito parecido com o espelho. Quando amo alguém, essa pessoa torna-se meu espelho e eu me torno o dela; e refletindo-se um no amor do outro, vemos o infinito”.

» Na continuação, o amor derradeiro: ágape... Antes, porém, trarei 3 posts que serão um interlúdio nesta série.

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Nota: Todas as citações de Leo Buscaglia (e de seu aluno) foram retiradas de seu best-seller: “Amor” (Ed. Nova Era).

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Crédito das fotos: [topo] Kate Mitchell/Corbis; [ao longo] Roger Ressmeyer/Corbis (Buscaglia em palestra ao ar livre).

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27.7.11

Livro: A pergunta de Aristóteles

Já foi lançado o livro "A pergunta de Aristóteles", pela Editora Baraúna. O livro não é meu, mas de autoria de um amigo - Abenides Afonso de Faria. No entanto, se trata de uma grandiosa compilação de uma das mais longevas e interessantes discussões online de que já participei. Abenides foi também o iniciador do tópico "A pergunta de Aristóteles", que vem sendo discutido na comunidade Física Quântica - A Revolução, do Orkut, desde 25/05/07 (e hoje conta com mais de 15 mil respostas, e contando, apesar do Orkut não ser mais o mesmo de anos atrás).

Eu fico muito feliz de poder dizer que sou um dos "personagens principais" da discussão (apesar de só aparecer inicialmente lá pela página 60); E, se lerem o livro todo, verão que muito do que foi debatido lá serviu de base para inúmeras reflexões que foram posteriormente desenvolvidas em maior profundidade no meu blog (este blog). Além disso, eu também escrevo o prefácio do livro.

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A pergunta de Aristóteles
O pensamento central do livro é a coleta de informações sobre o que pensa um grupo de pessoas que se propõe a trocar idéias sobre a polêmica aproximação entre a ciência oficial e a espiritualidade. Nos diálogos aparecem opiniões das mais variadas correntes do pensamento representadas por pessoas dos mais variados tipos psicológicos. Até aí nenhuma novidade, mas o que mais impressiona é que a troca de informações vai sendo conduzida de tal forma que se estabelece o respeito e a liberdade entre os membros da comunidade, não sem antes passar por algumas rusgas que se resolvem no decorrer dos diálogos. Observa-se também que a intenção de fazer proselitismo de uma corrente ou outra não tem lugar, pois a essência de um diálogo de alto nível intelectual não admite dogmatismo ou fanatismo.
A pergunta de Aristóteles: Como o espírito se une ao corpo? É o pano de fundo e o combustível para os debates que se traçaram entre o espiritismo, teosofia, ocultismo, ceticismo, logosofia, e até palpites desprovidos de qualquer racionalidade, mas que dão uma pitada de humor. As respostas foram apresentadas de acordo com o que até o momento pensam os representantes de cada corrente. Nenhum dos membros sustentou a imposição de suas opiniões e surgem várias respostas: o espírito se une ao corpo através da glândula pineal, do perispírito, da faculdade de sonhar, do cordão de prata, etc. Inclusive aqueles que se declararam contra qualquer idéia de dualidade. Porém, como o objetivo não é doutrinar, a resposta ficará a cargo do leitor que certamente meditará sobre o assunto. Fica no ar o vazio que surge da necessidade de se desenvolver uma mente mais capaz.

» Comprar o livro no site da Editora Baraúna

» Leia o eBook neste site

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26.7.11

4 amores, parte 2

« continuando da parte 1

Quem já bebeu, beberá; quem já sonhou, sonhará. Nunca desistirá desses abismos atraentes, que soam insondáveis, que penetram no proibido, que se esforçam por segurar o impalpável e ver o invisível; volta-se para eles, debruça-se sobre eles, dá-se um passo na direção deles, depois dois; e é então que se penetra no impenetrável e é então que se encontra o alívio ilimitado... (Victor Hugo)

Eros: a convivência

Susana Queiroz está visitando o Butão, um dos menores e mais isolados países do mundo, fincado nos Himalaias, entre a China e a Índia. Ela entra em uma loja de artesanato local, mas não consegue se comunicar com a vendedora, que não fala inglês – e muito menos o português, idioma da brasileira que apresenta o programa “No Caminho” para o canal de TV a cabo Multishow... Susana chama por seu guia de viagem, um simpático butanês que fala o idioma local e o inglês, mas ele não responde. Fora da loja, a bela apresentadora encontra o guia falando apressadamente no celular – até muito recentemente o Butão esteve fechado à modernidade, e faz poucos anos que o celular surgiu no país.

O guia desliga o celular e tenta ignorar o assunto, mas Susana já suspeita do que se tratava: era a “nova febre” entre quase todos os jovens butaneses, as pessoas falavam ao celular para marcar encontros amorosos. A questão peculiar, nesse caso em específico, é que o guia já era casado com duas mulheres, e ainda assim procurava conhecer mais parceiras amorosas.

Desde o final de 2006, o Butão é uma monarquia constitucional, mas o chefe religioso do reino goza de uma importância quase idêntica a do rei. O Butão é um dos últimos reinos budistas do mundo...

No reino animal, a poligamia se refere à relação onde os animais mantém mais de um vínculo sexual no período de reprodução. Nos humanos, a poligamia é o casamento entre mais de duas pessoas. Os casos mais típicos são a poliginia, em que um homem é casado com várias mulheres, e a poliandria, em que uma mulher vive casada com vários homens.

Diz-se que a poliginia já foi regra nos grupos humanos em estado natural. Durante a história, ela foi amplamente usada, tendo como principal causa a grande diferença numérica entre homens e mulheres ocasionada pelas guerras. A questão sempre esteve também no centro do debate religioso. O Velho Testamento fala de um personagem como Jacó, que teve duas mulheres e doze filhos (vários deles com servas). Essa prole viria a dar origem às doze tribos de Israel.

No Islã, por outro lado, ela tem sido praticada desde sempre (o próprio profeta Maomé teve 16 casamentos simultâneos). Hoje, continua a ser adotada em alguns países muçulmanos e em processo de adoção em outros. O costume é regulamentado pelo Alcorão, que tolera a poliginia e permite um máximo de 4 esposas. Em realidade, a poliginia certamente sempre foi bem mais comum do que a poliandria. As razões são até mesmo óbvias: além do mundo ter sido por muito tempo, e em muitas sociedades, dominado pelos homens, é extremamente custoso para uma mulher manter vários casamentos, pelo menos se levarmos em consideração que ela irá gerar filhos de cada um de seus maridos.

Eu costumo dizer que não acredito em casamento. Não quero, com isso, ofender a crença e a tradição cultural dos outros, mas apenas manifestar a minha própria crença... Tampouco estou querendo dizer que não acredito no amor, na fidelidade, na possibilidade de uma união realmente estável e duradoura entre dois indivíduos. Quero apenas ressaltar que o fato de estarem casados perante Deus, perante as leis ou perante a sociedade nada tem a ver com a garantia da manutenção do seu amor. Em suma: no fundo, o que quero dizer é que acredito sim no “casamento”, mas para mim ele se chama amor. É muito simples entender: qualquer casamento durará apenas enquanto o amor durar. Vai-se o amor, vai-se o casamento, ainda que não haja divórcio, ainda que o casal continue a “viver as aparências sociais”.

Na cerimônia religiosa cristã diz-se que “o que Deus uniu o homem não separe”. Mas por vezes o homem parece viver a se dedicar exclusivamente a não seguir os mandamentos divinos. Ora, é para mim mais uma frase sem sentido algum. Melhor seria dizer, portanto: “saibam que têm nas mãos a responsabilidade de manter e edificar, todos os dias de suas vidas, esse dom divino, esse amor que sentem um pelo outro, este milagre!”.

Também se costuma encerrar com um “até que a morte os separe”. Mas, se a morte separa alguma coisa, não é o amor. O amor não é um corpo e nem mesmo um cérebro, mas uma união de almas. Mesmo Carl Sagan, que era agnóstico e não acreditava em vida após a morte, dizia que “viver na memória daqueles que nos amam, é viver para sempre”. Ora, e o que diabos a morte separa? Se ela separa alguma coisa, é porque não era amor.

Claro, existe muita confusão acerca do que vem exatamente a ser amor. Me parece que aqui estamos nos referindo ao que os gregos antigos chamavam de eros: não o deus, mas o conceito de troca de prazer entre os seres. Nesse estágio do caminho do amor, os seres não mais usam os outros como mero objeto, ou como parte de uma transação comercial, mas efetivamente trocam carinho, se preocupam tanto em dar prazer quanto em receber. Fortalecem o elo com o seu próximo um pouco mais...

É preciso, no entanto, tomar cuidado com até que ponto estarão unidos. Duas árvores podem crescer a certa distância uma da outra, e podem até fazer sombra uma à outra, dependendo do momento do dia. Mas se estiverem por demais unidas, às próprias raízes no solo irão se entrelaçar, e disputar os nutrientes, até que uma aniquile a outra, ou por vezes, até que ambas se destruam mutuamente.

Foi o grande poeta do Líbano (Gibran) quem nos alertou: “Amai-vos um ao outro, mas não façais do amor um grilhão: Que haja antes um mar ondulante entre as praias de vossas almas. Enchei a taça um do outro, mas não bebais na mesma taça. Dai de vosso pão um ao outro, mas não comais do mesmo pedaço. Cantai e dançai juntos, e sede alegres, mas deixai cada um de vós estar sozinho; Assim como as cordas da lira são separadas e, no entanto, vibram na mesma harmonia” (trecho de “O Profeta”).

Muitos ditos cristãos ao longo da história se declararam escandalizados com práticas como a poligamia por outros povos. Logo depois da descoberta de Colombo, os colonizadores portugueses e espanhóis que vieram da Europa colonizar o novo mundo concluíram que esses nativos eram “pouco mais do que animais”. Ao notar que muitos nativos praticavam uma ou ambas as formas de poligamia, um ministro calvinista afirmou que não possuíam nenhum senso moral. Um médico europeu, após examinar cinco nativas e perceber que não menstruavam, concluiu que “não pertenciam à raça humana”...

Não satisfeitos em despojá-los de sua humanidade, os espanhóis começaram a dizimá-los como animais. Por volta de 1534, 42 anos após a chegada de Colombo, os impérios inca e asteca haviam sido destruídos e seu povo escravizado ou assassinado. A hospitalidade inata dos nativos não comoveu os “seres morais do velho continente”: os colonizadores matavam crianças, rasgavam o ventre de mulheres grávidas, arrancavam olhos, queimavam vivas famílias inteiras e incendiavam aldeias à noite. Entre a poligamia e a matança, acredito que Deus tenha feito uma escolha já há muito tempo, quando ainda éramos hominídios.

Mas, retornando ao Butão: eis um exemplo de sociedade onde todos vivem efetivamente livres e não parecem se “escandalizar” tão facilmente com práticas como a poligamia ou até mesmo a homossexualidade. Ao contrário de muitas outras partes do mundo, de muitas sociedades atuais ou passadas, no Butão tanto homens quanto mulheres sentem-se livres para ter quantos parceiros amorosos quiserem. No Butão se construiu uma verdadeira rede de convivência, de troca de prazer, de troca de informações íntimas, de troca de compreensão. Nesse distinto e exótico microcosmo de sociedade humana, há tantos “casamentos” quanto possibilidades de convívio amoroso, e mesmo falos e símbolos genitais são entendidos como sagrados, como formas de proteção contra os “maus espíritos”.

E quem serão os maus espíritos senão os próprios homens e mulheres no topo de seu preconceito, de sua ignorância? Se as potências do homem na visão, na audição, nos recursos imensos do cérebro, nos recursos gustativos, nas mãos, nos pés; se todas essas potências foram dadas ao homem para a educação, para a evolução no convívio com o próximo, para a compreensão cada vez mais aprofundada do amor, mereceria o sexo, e as várias manifestações sexuais onde há respeito e carinho de ambas as partes, serem sentenciados às trevas [1]?

» Na continuação, o terceiro amor: filia...

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Nota: Este artigo não deveria ser entendido como uma exaltação da poligamia. Devemos sempre, isso sim, exaltar o amor: cada pequena possibilidade de amar, amar da melhor forma possível, amar da forma que hoje temos possibilidade de amar. Sejam quantos “casamentos” forem necessários, que não se desista do amor, jamais...

[1] Boa parte desse último parágrafo foi retirada (livre adaptação) de uma das respostas de Chico Xavier no lendário programa Pinga-Fogo, em que participou nos idos de 1971.

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Crédito das fotos: [topo] Divulgação/Multishow ("No Caminho"); [ao longo] riisli

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25.7.11

Links Mayhem (22)

O Projeto Mayhem foi criado em Março de 2010 como centro de debates e discussões sobre temas Ocultistas e Herméticos. Agora, toda semana, os participantes do projeto divulgam os links mais interessantes para artigos nos blogs de outros participantes:

- Teoria da Conspiração - Catolicismo à Brasileira
- Labirinto da Mente - Karate Kid I
- Artigo 19 - Sou Ateu! Tudo bem, mas e daí?
- Diário do Adeptu - A Verdadeira Magia
- Jedi Teraphim - Prometea, se ela não existisse teríamos que inventá-la
- Paradigma Divino - Arquétipos: Você conhece este homem?
- O Alvorecer - Reencarnação e Carma
- Ametista Artemisia - Grupos Cármicos
- Hermetic Rose - Do Vampiro Histórico
- Tudo sobre Magia e Ocultismo - Morte Psicológica
- Idéia Biruta - Algo Sente
- Autoconhecimento & Liberdade - O que é ego?
- Legio Mundi
- Universo Paralelo - 93
- Zzurto - Meu corpo... Meu atanor...

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Veja também os colunistas no Portal Teoria da Conspiração:

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» Veja todos os posts sobre o Projeto Mayhem

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4 amores, parte 1

Amor: Pode significar afeição, compaixão, misericórdia, ou ainda, inclinação, atração, apetite, paixão, querer bem, satisfação, conquista, desejo, libido, etc.

Porno: o despertar

Em algum córrego de água fluente, colônias de bactérias lutam pela sobrevivência. Um grupo de colônias flutua pela correnteza, e guarda toda a energia adquirida do ambiente para sua auto-preservação. Muitas vezes o grupo flutua junto, muitas vezes algumas bactérias se desprendem e rumam para o fim quase certo... Mas, um outro grupo gasta parte de sua energia para produzir uma peculiar substância viscosa. A primeira vista, pode parecer um grande desperdício, uma mutação fadada à extinção. Porém, tal substância faz com que as bactérias se agrupem de forma mais eficiente, e suas colônias tendem a permanecer sempre muito próximas a superfície das águas, onde suas chances de sobreviver e prosperar aumentam enormemente.

O altruísmo parece ser uma evolução da espécie. Através desse sistema peculiar da natureza, seres de uma mesma espécie, ou até mesmo de espécies diferentes, se auxiliam mutuamente, em situações onde a ajuda mútua faz com que os seres terminem por aumentar sua adaptabilidade ao meio ambiente, e sobrevivam com mais eficiência conjuntamente do que em separado.

Talvez o melhor exemplo de um “despertar do altruísmo” em nossos ancestrais hominídios esteja intimamente ligado ao fato de hoje andarmos eretos. Segundo uma teoria, o bipedalismo e a redução dos dentes caninos foram acompanhados das primeiras convenções sociais entre os caçadores-coletores. As fêmeas passaram a preferir machos menos agressivos, e passaram também a trocar sexo por comida, além de se comprometerem por mais tempo com a "educação" dos filhos. Isso favoreceu nos machos, e conseqüentemente em toda a espécie, o bipedalismo: assim poderiam se deslocar por distâncias maiores, e carregar oferendas (pequenos pedaços de comida, sejam frutos ou carne de animais abatidos) para trocar por sexo. A redução dos caninos talvez indicasse que os machos não precisavam mais competir agressivamente pelas fêmeas, e que a troca de carinho (sim, talvez pudéssemos usar esta palavra) era mais reconfortante e necessária, então, do que as lutas sangrentas pelo direito de copular com as fêmeas.

Se alguém tinha dúvidas de que a prostituição era a profissão mais antiga do mundo, a arqueologia e a antropologia têm nos deixado muito clara essa questão: não só parece ser a profissão mais antiga, como também a razão primária do primeiro sistema de trocas entre seres humanos, ou mesmo entre hominídios... O termo em grego antigo para a prostituição era pornea, que em português seria algo como porno ou pornôa pornografia nada mais é, portanto, do que “a ilustração ou imagem da prostituição”.

Numa relação pornográfica, há sempre um indivíduo que visa obter alguma compensação financeira pela “oferta” de seu corpo a um outro indivíduo que, por sua vez, visa uma satisfação sexual em troca do dinheiro despendido. Milhões de anos se passaram, e muitos de nós continuam se comportando como hominídios, como se tivéssemos acabado de aprender a andar com apenas “duas patas”...

Schopenhauer era um pensador admirado com a capacidade do instinto sexual de afetar a razão até mesmo dos homens e mulheres mais sábios de nossa sociedade. Não é preciso ir muito fundo no assunto: até os dias de hoje há grandes chefes de família, de função respeitada na sociedade, que subitamente arriscam perder tudo apenas para poder vivenciar alguma nova “aventura sexual” que lhes aparece subitamente no horizonte... Dentre os mais jovens então, nem se fala – observe a entrada de uma casa noturna em alguma grande metrópole e verá que aquele espaço nada mais é, para a grande maioria dos jovens, do que uma versão moderna do “terreno de caça” dos hominídios.

O filósofo alemão não conseguia vislumbrar na força motriz da vida mais do que uma espécie de escravidão dos sentidos: “A vida da maioria dos insetos não passa de um esforço incessante de preparar a alimentação e a moradia da futura prole, que sairá de seus ovos. Depois de ter consumido o alimento e ter passado para o estágio de crisálida, a prole começa uma existência cuja finalidade é cumprir novamente, e desde o princípio, a mesma tarefa; não podemos deixar de indagar qual o resultado de tudo isso; não há nada a revelar, apenas a satisfação da fome e do instinto sexual e uma pequena recompensa momentânea, ocasional, entre necessidades e esforços infindáveis.”

Realmente, se pararmos para refletir acerca das zonas erógenas do corpo humano, a princípio podemos imaginar que há uma grande variedade delas: Pescoço, nuca, lóbulo da orelha, lábios e língua, mamilos, nádegas, coxas e dedos, além dos próprios órgãos sexuais... No entanto, quantas e quantas vezes fazemos sexo ao longo da vida? Quantas e quantas repetições intermináveis de seqüências de movimento mecânicos envolvendo somente um punhado de zonas erógenas? Por mais que existam inúmeras possibilidades para o ato sexual, no fim o que nos motiva, o que nos carrega nesse desejo desenfreado, é o instinto em si, é a força motriz de Schopenhauer – a forma com a qual a natureza ensaiou a grandiosa dança da vida.

Essa forma de contato, essa forma de troca, essa forma de altruísmo, no entanto, não deve ser julgada apenas pelo que é, mas pela potencialidade que é capaz de despertar no ser humano.

Enquanto nos contentarmos em repetir os rituais de nossos ancestrais hominídios, seremos ainda apenas “prostitutos de nós mesmos”, pois nesse sistema de troca animal tanto faz em que posição estamos – ambos, o macho e a fêmea, ou o ativo e o passivo, estão apenas encenando repetidamente a dança da vida, que embora possa ser bela e ancestral, nem sempre condiz com o nosso atual estágio de consciência.

É possível, é necessário, despertar, e evoluir no nosso caminho de altruísmo. Não mais tratar o próximo como uma fonte de troca de sexo por dinheiro ou dinheiro por sexo, mas como uma possibilidade de reconhecimento mútuo, de cumplicidade, de companheirismo, de conhecer, quem sabe pela primeira vez, “a visão do outro”...

Se Deus nos deu o dom do amor, não me parece que devêssemos nos contentar em utilizá-lo apenas como moeda de troca, como uma espécie de barganha. Da mesma forma com que alguns recorrem a Deus com oferendas e orações decoradas, apenas com o objetivo de conseguir alguma espécie de “bênção” em troca (geralmente o mais rápido possível), muitos de nós ainda vêem o ato sexual como mera barganha, mero “comércio de amor”. Mas o amor não pode ser comprado nem vendido, e o seu sistema de troca está ainda muito além da compreensão dos hominídios...

Ainda assim, eles o reconheceram. Aprenderam a andar em duas patas e, pela primeira vez em sua existência, puderam observar o céu e o infinito para além dele, e não mais apenas o nível do solo a sua frente. Alguma coisa em seu interior se acendeu e desejou ardentemente seguir adiante, sempre para o alto, cada vez mais alto... E, embora suas patas tenham permanecido arraigadas a terra, sua mente e seus corações passaram a perceber o início de uma trilha.

Ali começava o caminho do amor, e quem poderia imaginar até onde ele poderia nos levar?

» Na continuação, o segundo amor: eros...

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Nota: Este artigo não deveria ser entendido como uma crítica a prostituição. A prostituição é uma atividade profissional como qualquer outra (ou ainda, a mais antiga delas). O problema não é se prostituir durante uma parte da vida, mas sim se prostituir durante toda a vida. Ou seja: não ter, durante a vida, nada além de relações de prostituição.

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Crédito das fotos: [topo] I Love Images/Corbis; [ao longo] Boris Roessler/dpa/Corbis (Bonobos)

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20.7.11

O escultor da realidade

Texto de Miguel Nicolelis em "Muito além do nosso eu” (Ed. Cia. das Letras) – Trechos das pgs. 55 a 58. Os comentários ao final são meus.

Acredito que o cérebro pode ser definido como o mais fenomenal simulador produzido pela evolução no universo conhecido; pelo menos, até onde podemos verificar independentemente. Como um escultor paciente e preciso da realidade, nosso sistema nervoso produz uma série de comportamentos vitais para nossa sobrevivência e existência consciente, que podem ser divididos em três principais categorias:

a) Manter a operação fisiológica de todo o corpo por meio de um processo fisiológico global denominado homeostase;

b) Construir modelos altamente refinados do mundo exterior, de nós mesmos e da interação dinâmica entre os dois [1];

c) Explorar ativamente o ambiente externo em busca de novas informações para testar e atualizar seus modelos internos. Isso inclui a previsão de eventos futuros e recompensas associadas a eles, por meio da geração de expectativas para seus possíveis resultados, custos e benefícios [2].

Surpreendentemente, essa pequena lista cobre boa parte das funções básicas do sistema nervoso central. Por definição, uma simulação ou modelo permite ao modelador realizar uma análise e monitoração contínua de toda sorte de parâmetros que podem levar a uma acurada previsão de eventos futuros. Neurofisiologistas despenderam uma considerável quantidade de tempo investigando como o cérebro mantém o processo de homeostase, e nas últimas décadas houve uma explosão exponencial na investigação experimental dos mecanismos que permitem ao cérebro codificar informações sensoriais, motoras e cognitivas.

Mas, devido às óbvias dificuldades experimentais envolvidas, a neurociência moderna ainda evita investigar os mecanismos fisiológicos dos comportamentos mais complexos que sustentam a fascinação obsessiva, presente em todas as culturas, por reconstruir um caminho verossímil, não importa o quão abstrato ou místico, de como o universo foi criado, de como a humanidade surgiu desse cosmos envolto num vácuo silencioso e inóspito, e por que a dádiva da vida emergiu, quase que inconsequentemente, numa discreta esquina da periferia do universo [3].

Não é surpresa, portanto, que onde a investigação científica não conseguiu se estabelecer tenha surgido um terreno fértil para a proliferação de inúmeros mitos religiosos, tão ou mais comuns e excludentes hoje do que nos dias de nossos antepassados distantes. Esses mesmos comportamentos complexos que nos levam a inquirir sobre a origem de tudo e de todos definem a curiosidade ardente, marca da essência mental de nossa espécie, que deu à luz ao método científico [4].

Comportamentos altamente sofisticados também definem as estratégias de convívio social e de corte amorosa empregadas pelos seres humanos para conquistar o monte Everest do processo evolutivo: a transmissão de seus genes para gerações futuras. Neles também encontramos todas as formas de expressão usadas pelos membros de nossa espécie para imprimir ideias e crenças, sonhos e receios, paixões e preconceitos nas memórias de nossos entes queridos, conhecidos e outros membros de nossa sociedade.

Ao leitor que, a essa altura, pode estar se perguntando se toda essa introdução teórica e a proposta de mudança de rumo que proponho para a neurociência do século XXI não passam de picuinha filosófica, respondo apenas que tal discussão tem desempenhado um papel central numa batalha intelectual que, nos últimos duzentos anos, serviu de inspiração para muitos dos maiores praticantes da delicada arte de estudar o cérebro, numa disputa apaixonante e acirrada pelo direito de desvendar os mistérios da essência da natureza humana [5].

Para minha surpresa, durante os capítulos recentes dessa batalha, a visão aqui proposta do cérebro como um verdadeiro simulador da realidade tem recebido cada vez mais apoio fora da comunidade de neurocientistas. Em seu clássico livro O gene egoísta, o biólogo evolucionista britânico Richard Dawkins claramente declara sua concordância com a teoria de que o cérebro, especialmente o humano, desenvolveu a capacidade de criar simulações elaboradas e detalhadas da realidade. Cantando no mesmo tom, o físico israelense David Deutsch vai ainda mais longe, ao propor, em seu livro A essência da realidade, que tudo que “experimentamos diretamente não passa de uma construção virtual, convenientemente gerada para nosso usufruto, por nossa mente inconsciente, a partir de dados sensoriais somados a complexas teorias adquiridas e congênitas sobre como interpretar novas informações [6]”.

No primeiro parágrafo de sua obra-prima Cosmos, o astrônomo americano Carl Sagan reflete: “O cosmos é tudo que existe, existiu ou existirá. A contemplação do cosmos nos comove, provoca calafrios que sobem pela nossa espinha dorsal, e nos corta a voz, causando uma sensação de vertigem, como uma memória remota de estar caindo de uma grande altura. Sabemos que estamos nos aproximando do maior de todos os mistérios”.

Até onde sabemos, existe apenas uma criação desse cosmos impressionante capaz de decifrar sua linguagem majestosa, e ao mesmo tempo se dar ao luxo de gerar um enorme repertório de sensações inebriantes, que nossos verdadeiros progenitores, remotas supernovas, nunca tiveram o privilégio de saborear. Justamente porque esses progenitores se queimaram em seu fogo celestial – completamente inconscientes de que, um dia, ventos cobertos de poeira estelar seriam capazes de semear o sopro de vida num insignificante planeta azul localizado no obscuro sistema solar de uma galáxia distante –, nosso cérebro nos permite consumir, com lascívia incomparável e incessante, cada bit de uma existência plenamente consciente, enquanto em silêncio ele entalha em nossa mente todos os detalhes mais íntimos de uma memória infinita, enquanto ela durar [7].

***

[1] Numa visão espiritualista, o cérebro certamente pode construir um “modelo de nós mesmos”, mas esse modelo se limita a nossa personalidade, ou o conjunto de memórias de uma vida. Das potencialidades, o cérebro nada sabe, pois que é antes um serviçal das potencialidades, e não seu gerador. Nicolelis possui uma instituição no nordeste do Brasil que patrocina a educação científica de crianças carentes, ele certamente deve até hoje se admirar com o “milagre” do tilintar das potencialidades dessas crianças, embora provavelmente não compartilhe da crença de sua verdadeira origem.

[2] Hoje se sabe que o processo de consciência está sempre ativo, mesmo quando estamos apenas descansando de olhos entreabertos. Porém, mesmo a consciência é apenas uma parte dos sistemas cerebrais, sempre incessantes (até a morte cerebral, pelo menos).
Já a teoria da “ação e reação visando recompensas” é tão somente o mais próximo que a neurociência conseguiu chegar a uma definição de porque temos vontade, porque amamos, etc. Obviamente ela ainda falha miseravelmente numa compreensão mais profunda dos sentimentos mais básicos; que dirá do sentimento que leva um bombeiro a se aventurar em um prédio em chamas para salvar vítimas, ou da convicção de um médico da cruz vermelha em arriscar a própria vida no entorno de zonas de guerra, para salvar a vida alheia.

[3] Ao longo desse parágrafo, Nicolelis nos traz uma curiosa definição “científica” para a religião ou religiosidade humana.

[4] O autor entra em contradição, talvez quase que inconscientemente, provavelmente devido a “programação do pensamento científico da Academia”: Ora, a experimentação científica surgiu primeiramente na ilha grega de Samos, e, muitos séculos depois, ressurgiu em plena Renascença. Já a ciência é muito mais antiga, de uma época em que ciência e religião compartilhavam a mesma origem. A ciência deve sua origem à religião, tanto quanto a astronomia a astrologia, a química a alquimia, e a teoria da evolução as teorias espiritualistas (principalmente através de Alfred Russel Wallace). A investigação científica não conseguiu se estabelecer, portanto, porque antes ainda não existia.
Já em relação aos “mitos religiosos comuns e excludentes”, talvez Nicolelis mudasse de opinião caso conhecesse Joseph Campbell, e sua teoria do Monomito, onde todos os mitos compartilham uma certa essência em comum – e, nesse caso, nunca foram excludentes.

[5] A ciência moderna se digladia para explicar o que somos de forma mecanicista, mas ainda passa ao largo de compreender como podemos ser seres que interpretam informações e têm vontades, e não máquinas que foram programadas pela natureza para buscar a sobrevivência da melhor forma possível (a mais adaptável ao meio ambiente, de preferência). É mais ou menos como tentar explicar uma poesia de Pessoa, ou a vermelhidão do vermelho, com termos puramente científicos: não vai dar. Não vai dar...

[6] Até aí perfeito, eu só não entendi o “não passa de”... Ora, isso não é pouca coisa. A capacidade de interpretar informações, própria da consciência humana, está muito além da capacidade de qualquer máquina já produzida, e talvez de qualquer uma ainda por se produzir.

[7] Nas belas palavras de Nicolelis, o cérebro humano mais parece um deus a esculpir nossa realidade. E, estranho de se pensar, ele talvez não esteja muito distante da verdade... Em algum ponto de nós ainda arde uma fagulha divina, um pequeno resquício da Grande Supernova.

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» Veja a passagem de Nicolelis pelo Manhattan Connection, da Globo News

Crédito da foto: Judith Wagner/Corbis

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18.7.11

A odisséia da informação

Trecho do Projeto Ouroboros (a partir deste ponto irei revelar o nome de um segundo personagem, até então apenas "O.", agora Otávio)

(Otávio) Fico feliz que estejam seguindo meu raciocínio e concordem com a importância desse tipo de reflexão. Mas sigamos adiante: quando falamos em uma substância, pela definição usual, científica, estamos falando em qualquer tipo de matéria formada por átomos de elementos específicos em proporções específicas. Nesse sentido, substâncias possuem conjuntos específicos de propriedades e composições químicas, e se for conveniente dividi-las em dois grandes agrupamentos, estes certamente seriam de substâncias inorgânicas – como a água e os sais minerais –, e substâncias orgânicas, presentes nos seres vivos da Terra – como proteínas, carboidratos e vitaminas.
Tudo isso é bastante conhecido da ciência, da química e da biologia. No entanto, obviamente quando nos referimos a absolutamente todas as substâncias do Cosmos como irradiações da substância primeira, estaremos tratando o conceito de substância como algo infinitamente mais abrangente – capaz de definir não somente a matéria, como a energia, o pensamento, e certamente tudo aquilo que ainda escapa a nossa detecção; seja porque não interage com a luz, seja porque está além do alcance de nossos sentidos e aparelhos, seja porque se aproxime daquilo que chamamos de imaterial.
Felizmente não precisarei iniciar aqui uma nova discussão sobre a existência ou inexistência de qualquer coisa imaterial – para minha teoria, bastará nos atermos ao material, detectado ou não.
Entretanto, como o conceito de substância está, nos dias atuais, intimamente ligado a este significado de elementos materiais, creio que será mais proveitoso utilizar um novo conceito. Este “novo conceito”, em realidade, está longe de ser novo, e já é conhecido da humanidade há bastante tempo – a questão central está na interpretação que damos a ele. O que diriam vocês, portanto, se eu afirmar que tudo o que partiu da Causa Primeira e foi irradiado ao infinito do Cosmos é, tão somente e nada mais, informação?

(P.) Eu já ouvi falar disso antes, mas irei esperar que desenvolva melhor o tema para tecer minhas considerações...

(I.) Surpreso.
Ora, devo confessar que não faço idéia do que pensar neste momento. Apesar de, ao contrário de nosso amigo, nunca ter ouvido falar disso, irei igualmente aguardar seu desenvolvimento – inclusive para compreender e aprender sobre ele, se possível.

(Sofia) Alguns sábios antigos já falavam nisso, mas creio que será melhor esperar você terminar de expor o conceito de informação conforme nos trouxe agora...

(Otávio) Folgo em saber que pelo menos dois de vocês já ouviram falar no assunto. Talvez tenham chegado a ele por vias diferentes da minha, o que será ainda mais interessante para nosso debate.
Em todo caso, para desenvolver e aprofundar o assunto, primeiro precisarei lhes trazer uma definição usual para o termo “informação”.
Conforme já disse, este conceito é também bastante antigo, bem anterior a era moderna, a comunicação de massa e a computação, onde ele é comumente mais utilizado e associado. Informação é qualquer evento que afeta o estado de um sistema dinâmico. Bem, esta é uma definição mais moderna, mas igualmente válida para o prosseguimento de minha exposição – em todo caso, o termo “informação” vem do latim informatio, e em sua designação verbal significa dar forma a mente.
A mim me pareceu bastante interessante como ambos os significados, o moderno e o antigo, não somente parecem se complementar, como se casam muito bem com tudo o que discutimos até aqui sobre a Causa Primeira como uma criação mental, e sobre o Cosmos como um sistema cuja função é a evolução...
Ora, se o ato de informar é “dar forma a mente”, poderíamos agora dizer, inclusive, que o início do Cosmos nada mais foi do que a primeira informação divulgada, irradiada de algum lugar para o Todo. E, se a subseqüente sub-divisão desta substância primeira resultou nas infindáveis substâncias que compõem o Cosmos, então podemos igualmente afirmar que tudo o que tem ocorrido desde o início são informações: “eventos que alteram o estado do universo, um sistema dinâmico”.
Eu agora gostaria de dar voz a nossos amigos, P. e Sofia, pois tenho certeza que cada um terá mais a acrescentar a este assunto fascinante...

(P.) De fato, mesmo no meio científico moderno há físicos que chegaram a teorias bem parecidas com essa...
Apesar de ter chegado a sua conclusão dentro de uma teoria consideravelmente mais abrangente sobre a mecânica quântica – e que não convém expor aqui –, um físico americano [1] cunhou a curiosa expressão “o it que vem do bit”. Em suas próprias palavras:
Cada it – cada partícula, cada campo de força e até mesmo o próprio continuum espaço-tempo – deriva inteiramente sua função, seu significado, sua própria existência – mesmo que em alguns contextos indiretamente – de respostas induzidas por equipamento a perguntas sim ou não, escolhas binárias, bits. O it que vem do bit simboliza a idéia de que cada item do mundo físico tem no fundo – bem no fundo, na maioria dos casos – uma fonte e uma explicação imateriais; que aquilo que chamamos de realidade vem em última análise da colocação de perguntas sim-não, e do registro de respostas evocadas por equipamento; em resumo, que todas as coisas físicas são informacional-teóricas na origem [2].
Esse tipo de consideração metafísica demonstra como alguns físicos modernos não têm um pensamento tão distante de certos filósofos e espiritualistas, embora usem outros termos. A grande diferença, a meu ver, é que eles jamais se afastam muito das observações da ciência – e particularmente da cosmologia.
Apesar de partir do pressuposto de que todo o Cosmos nada mais é que uma espécie de supercomputador, a princípio não vejo nada de absurdo neste tipo de conclusão... Há muitas conclusões “mais absurdas” do que esta na ciência moderna, a começar pelas conclusões da própria física quântica, por exemplo.
Eu pessoalmente não concordo que a informação seja em essência imaterial, pois afinal de contas continua sendo “alguma coisa”; E é exatamente por isso que sua exposição tem me agradado, pois parece que por fim nos trará alguma “materialidade” a informação – ou seja, nada mais do que uma parte da substância primeira, que vem se dividindo e se irradiando ad infinitum, desde os primórdios do Cosmos.

(Otávio) Sorri em contentamento.
Que maravilha, vejo que nosso pensamento está agora bastante afinado. Agora nos resta ouvir o que nossa amiga tem a dizer – imagino que retornaremos uma vez mais a Grécia antiga, não?

***

[1] Conforme a nota existente no livro: Trata-se de John Wheeler. Para maiores detalhes sobre suas considerações acerca da mecânica quântica e da informação, consultar o livro “O universo inteligente”, de James Gardner. De sua expressão, não foram traduzidos os temos do inglês ao longo do texto, mas equivaleria a algo como “(o) isso que vem do bit”. Um bit de informação equivale a menor unidade computacional que pode ser medida, ela pode assumir somente dois valores, tais como “0” ou “1”, “verdadeiro” ou “falso”, etc. Não confundir com bytes, que são conjuntos de bits (normalmente, 8 bits).

[2] Conforme a nota existente no livro: O parágrafo inteiro foi retirado do livro “At home in the universe” (“Em casa no universo”), de John Wheeler.

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Crédito da foto: Troy House/Corbis

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Links Mayhem (21)

O Projeto Mayhem foi criado em Março de 2010 como centro de debates e discussões sobre temas Ocultistas e Herméticos. Agora, toda semana, os participantes do projeto divulgam os links mais interessantes para artigos nos blogs de outros participantes:

- Teoria da Conspiração - Um Dragão na minha garagem
- Autoconhecimento & Liberdade - Como você pode saber se alguém realmente lhe ama?
- Idéia Biruta - Algo Sabe
- Hermetic Rose - O Monge noviço e o Iogue
- Labirinto da Mente - A Mente, o Corpo e a Vida
- O Alvorecer - Os Níveis do Ser Humano
- Legio Mundi - A Astrologia é Casher?
- Tudo sobre Magia e Ocultismo - O que tem de ocultista o filme Constantine?
- Ametista Artemisia - Mantras para projeção astral
- Diário do Adeptu - Ascese
- Jedi Teraphim - A Tábua da Esmeralda
- Paradigma Divino - O Mestre e as Ordens
- Artigo 19 - Daath e a Travessia do Abismo

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Veja também os colunistas no Portal Teoria da Conspiração:

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» Veja todos os posts sobre o Projeto Mayhem

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14.7.11

The art

(translated by the author from the orginal portuguese article, “A arte”)

What`s the art? That`s a question as old as the human sensibility. By the time that the very first man, with his primal intelligence, observed a tree and noticed on it something more than a stem that holds leafs and makes shadows against the sunlight, the humanity have started to question herself what`s that "something more". From where it entered us? What exactly does it provoke on us? What`s it’s function?

The art sensibilizes… We can`t see it with our eyes, we can`t hear it with our ears, nor we can sense it with any other corporeal sense. The art is another member of the universal forces. Immaterial, invisible, eternal. It’s the force which sensibilizes and wakens the man for the spiritual world, cause we can only really "see the art" with our own soul.

Kandinsky managed to comprove this teory on his beautiful study about the art`s spiritual essence: "The soul is a piano with numerous keys". The sensible man, while facing the art of creation, is touched by the sublime hands of the Nature, and feel himself quite satisfacted with the synphony of life, the unique universal song.

Yes, that`s the ultimate and fundamental function of art. But how many difficulties men have to perceive it!

From the ancient ages on the caverns, the art had been borned already linked to practical and material functions: The painting and sculpture served to just illustrate the world, the music served for the festivals, the architecture for the mere construction of safe buildings, the dance for the passion, the literature for the storytelling and registration of facts, the poetry for the registration of emotions and feelings... This to cite the faculties whose are intimate linked to the art.

However, in reality, the real art, the art on itself, pure and simple, have always influenciated every material creation. And have always whispered to the hart of mankind: "I`m inside of you, but you aren`t on me. You can`t create me, but I will be always present on every creation you make. And, the more sensible and sincere you are on the act of creation, more of me you will receive… And much more sublime will be your creation."

Where the material function of art ends, starts it’s real function: To play the keys of the souls of men. Where the imitation of the material world ends, starts the imitation of the spiritual one. Where the outside nature ends, starts the inside one. Where the reason falls, the sensibility raises up.

The art isn`t rational, it does not have a determined process, nor an objective to be reached. Like the german philosopher, Immanuel Kant, said: "The art is the universal without concept." Yes, to see the art is to feel, carefree, the enormous force that did create and that mantains all existance… Happy the ones whose, from time to time, forget a little about the tough journey to just sit and observe the world. Cause those ones will be really resting in peace, and how many energy they will be earning to continue determined and strong on their lives! They will be in contact with the supreme love of Nature, the love which is everywhere, and moves everything. The force which moves the world and which, while noticed, sensibilizes the hart and refuels the soul. Happy the ones whose live this way, cause those ones live with art.

It’s up to the artists to search hard for the art, search for their so beloved fountain of inspiration. But very few actually discovered that the art is everywhere, it’s the art who chooses the artist, and not the artist who chooses to be an artist! The art of every artist must come from deep inside his soul, his heart. It’s up to the artist to draw everything which he can see and feel of the world, and to study those things first inside yourself, for then, and only then, give his own vision and pass his own message… Not every artist will pass good messages, but only those really sincere to his own feelings will have the power to sensibilize.

As great is the sensibility of the artist, as more open will be his vision of the world, and as more great will be his contact with the art on itself. Cause the art is everywhere: Happy the artist who notices that the water serves for much more than to relieve our thirst, the winds for much more than to agitate the leafs of the trees, the thunder for much more than to scare the children, the bird for much more than to cause as envy, the stars of the nights for much more than to orientate us on the darkness, the hand for much more than to hold a pencil or to play a guitar, the mind for much more than to make mathematical equations, and the spirit for more, much more than we can even imagine…

The artist`s greatest emotion isn`t the fame, the recognizement or the wealth. We can cite various geniuses of the history of the art whose have passed their lives on complete material misery. Yes, but those ones were much, much, spiritually rich… Cause the real artist is mad about the art, can`t stop to practice it, can`t live without it, won`t change it for nothing. And those are the real artists, men eternaly seduced by the sublime beauty of the song of life.

And why just the painters, musicians, writers and professionals of this genre are described as artists? If the art is on the world, and are artists everyone of those who live with art, we may have much more real artists on our world than we can imagine.

Like the ancient greek philosopher, Platho, wrote: "Just is the man who is useful to his state and does well his function". This is the real artist, the one who is content with what he is, and who is awaken for the real side of life. Who before being an artist, had observed the art. Who before creating for the others, had create for himself. Who instead of judging the world, had tried to discover his beauty. And discovered that the art has really a function, and a vital one: The function to teach the soul for the truth, and every wonderfull thing that came from it…

Finally, if in every being there`s a mirror which reflects the light of creation, on the real artist this mirror can only be more clean, more bright and more sublime.

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Image credits : an giant replica of one of Kandinsky's paintings (Weilheim, Germany).

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11.7.11

Involuções, parte 2

« continuando da parte 1

Segundo algumas teorias espiritualistas, a evolução física da vida na Terra reflete sua evolução espiritual: desde bactérias e insetos, passando por roedores e macacos, até o homo sapiens, princípios espirituais, sementes de consciência, vieram evoluindo e habitando corpos, aqui e ali, por todo o globo terrestre. Em biologia a palavra involução está associada à autólise, a morte celular. Não existe para a Natureza, até que se prove o contrário, algo como uma “involução das espécies”: existem mutações que eventualmente acarretam em pequenos ganhos na capacidade das espécies, e as vão lentamente moldando ao longo do tempo, de modo que consigam continuar se adaptando cada vez mais as condições de seu habitat natural. As espécies podem se extinguir, e a grande maioria já se extinguiu, mas isso pode somente significar que evoluíram para novas espécies mais adaptadas, ou que sumiram da face do planeta. Nenhum homo sapiens regrediu até hoje a um bonobo, assim como nenhum inseto transformou-se numa bactéria.

No mundo espiritual, às vezes podemos dar vazão demasiada a nossa imaginação e errar aqui e ali em nossas interpretações. Por isso um dia cristãos acreditaram em escravos e mulheres sem alma, ou em guerras santas, mas isso não significa que todos os cristãos ou que todos os espiritualistas estivessem sempre equivocados. Para um espiritualista, é sempre necessário comparar sua teoria subjetiva com a objetividade infinita das leis da natureza, e foi exatamente isso que Alfred Russel Wallace, co-criador da teoria da evolução, e tantos e tantos outros espiritualistas que não viraram as costas para a Natureza, o fizeram.

Desde épocas imemoriais, desde eras em que não éramos ainda homens nem mulheres, temos singrado o Cosmos e habitado seres que se organizam e evoluem, até que surja a consciência individualizada, e até que essa consciência se expanda até o estágio atual. Foi o próprio Rabi da Galiléia quem disse que somos deuses em formação, e que faremos tudo o que ele fez e ainda muito, muito mais... E ele também mencionou as muitas moradas do Reino. Ora, a Terra é apenas uma delas. Vivemos e evoluímos nela por bilhões de anos. Passamos por muitas eras de mudanças, mas raramente vimos mudanças de eras – o mundo atual talvez veja uma delas.

Por mais que a mídia insista em divulgar tragédias, guerras e violência em todos os cantos do mundo, no fundo aqueles que tem olhos para ver sabem que nossa ética jamais esteve a andar para trás: os assassinos e criminosos são normalmente a imensa minoria. Por mais estranho que possa parecer, os escravos negros que foram soltos na Europa e na América jamais se revoltaram como seria de se esperar, jamais desceram as encostas das favelas para fazer uma guerra social. Eles se acostumaram. Ainda que possam ter se acomodado, a história moderna fala muito mais de oportunidades de amor do que de ódio.

Mas a pior parte ainda é a indiferença... Apesar de tudo, no entanto, ainda existem médicos e voluntários que vão atender e salvar vidas nos entornos dos canteiros de guerras e genocídios. Ainda existem heróis que continuam a adentrar em prédios em chamas para salvar quem possa ser salvo. Ainda existem os caridosos, os que visitam creches, hospitais e asilos... Tudo bem, estes tampouco são a maioria, mas se o fossem, o céu já teria descido a Terra.

Mesmo assim, hoje vamos ao San Siro ver um clássico do futebol onde, ainda que exista alguma violência, raramente teremos um óbito sequer, e certamente jamais uma multidão estaria a aplaudi-lo como se aplaude a um belo gol. As “feras” de hoje são os craques de bola, e não tigres esfomeados com um antebraço entre os dentes...

Sim, algo mudou, e para melhor: hoje somos 7 bilhões de pessoas a dividir um mesmo planeta, e na maior parte de seu território temos paz, ou pelo menos uma vida muito mais pacífica do que aquela compartilhada pelos 300 milhões de 2 mil anos atrás.

Nosso maior inimigo não é a violência ou a promiscuidade sexual, mas nosso desejo desenfreado de consumir, e consumir, e consumir... Até que não reste mais nada a que se chamar de natural. O deus do consumo, porém, não contava com a sabedoria da Natureza: optou ela por fazer o papel de diabo da vez, e agora nos ameaça com seu clima caótico, nos forçando a nos unir em prol de um objetivo em comum.

Hoje temos a divina oportunidade de nos unir como uma única nação, um único povo, e estudar juntos a melhor forma de viver nesse reino de forma sustentável, para que muitos bilhões de nós ainda possam passar por aqui. Temos a árdua tarefa de regenerar a natureza devastada por nós mesmos nos últimos anos, mas isso ainda é muito melhor do que realizar guerras santas e outras aventuras inúteis, fruto de nossa enorme ignorância.

Sim, hoje somos um pouco mais sábios do que outrora, mas ainda é muito cedo para cantar vitória. No jogo na Natureza consigo mesma, ainda será necessário novas provas de que poderemos, finalmente, transitar desta para a próxima era. Mas é muito tarde para ser pessimista, nossa ciência e nossa espiritualidade têm nos apontado um glorioso farol de esperança logo ali, pouco além das próximas décadas. Quem tiver olhos para ver, e um espírito aberto para sentir, vivenciará o céu prometido, sem jamais involuir.

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Crédito da foto: Christian Liewig/Liewig Media Sports/Corbis

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10.7.11

Involuções, parte 1

Há uma corrente de cientistas que postula que o câncer é uma doença moderna. Sua suposição se baseia, principalmente, no fato de que a “autópsia” de múmias do antigo Egito demonstra que a incidência de câncer era praticamente não existente na época. Segundo essa teoria, o câncer seria fruto da industrialização e das sociedades modernas, podendo estar fortemente ligado à poluição das grandes cidades, e ao consumo de produtos industrializados. Qualquer demonstrativo da incidência de câncer no mundo atual parecerá favorecer tal teoria, visto que efetivamente existe mais câncer nos países desenvolvidos do que, por exemplo, nas regiões sub-desenvolvidas da África e de outros continentes... A ciência, no entanto, está cheia de conclusões apressadas.

A expectativa de vida em países desenvolvidos no início deste século gira em torno de 75 a 80 anos. No antigo Egito, mesmo entre os faraós que mereceram cerimônias de mumificação, ela não passava de cerca de 40 anos – na maior parte da história das sociedades humanas, incluindo as sociedades “selvagens” atuais, a expectativa de vida esteve sempre abaixo dos 35 anos. O câncer é resultado, principalmente, de erros decorridos da mutação de nossas células – e, quanto mais vivermos, maiores chances teremos de contrair câncer, é uma relação simples e até mesmo óbvia. Afora isso, corpos de múmias antigas nada nos dizem sobre a incidência de câncer infantil, nem tampouco temos registros detalhados da incidência desta doença no antigo Egito, simplesmente porque os médicos da época ainda mal sabiam diagnosticá-la.

Pesquisadores ingleses dizem que há poucas evidências de que apenas a poluição e a industrialização causam maior incidência de câncer... Por outro lado, há muitas evidências de que o cigarro, o exagero no consumo de álcool e alimentos gordurosos, e a exposição prolongada a radiação, certamente aumentam em muito as chances do surgimento do câncer. O problema não é viver no mundo moderno, portanto, o problema é viver da forma moderna, venerando o deus do consumo: Comendo e bebendo e se entorpecendo, numa tentativa frenética de escapar do abismo da falta de sentido no mundo pós-moderno.

Em todo caso, ainda que continuemos a buscar boas respostas para nossas perguntas acerca do sentido da vida, hoje temos muito mais tempo para refletir sobre o tema. Hoje podemos efetivamente viver, ao invés de tão somente sobreviver. Uma pessoa de classe média baixa no mundo atual, ainda que more em uma favela, ainda disporá de muito mais conforto, saúde e oportunidades de se entreter ou buscar conhecimento do que mesmo os maiores reis e imperadores da antiguidade. Se não nos damos conta disso, deve ser porque o deus do consumo nos assopra o ouvido todos os dias: “tudo bem, agora você finalmente tem um carro, uma casa... mas veja só a casa do vizinho, tem um jardim maior; veja o carro dele, é um modelo mais novo!”.

As estatísticas, no entanto, não mentem. Veja o que o médico Hans Roslin tem a nos dizer sobre o desenvolvimento de 200 países nos últimos dois séculos, em um vídeo da BBC:

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Apesar de todo esse avanço, há também a corrente dos conservadores da moralidade, ou dos arautos do final dos tempos. Segundo os primeiros, que normalmente se julgam bastante religiosos, a moral moderna vive uma época de involução: por todos os cantos vemos violência desenfreada, promiscuidade sexual, divórcios e libertinagens em geral... Os partidários do fim do mundo vão ainda mais além – não somente concordam com o fato de haver uma involução moral, como dizem que essa é a mais forte evidência de que o mundo, finalmente, se encaminha para um final. Para muitos destes, é preferível que o mundo todo acabe num apocalipse pagão, do que ver sua própria igreja ser lentamente reduzida à um segundo plano histórico. Para estes, quanto antes tudo isso acabar, tanto melhor...

Mas será que os “conservadores” estão com a razão? Será que um inferno moral está lentamente sendo instituído na Terra, e somente alguns poucos escaparão para o céu?

A religião também está cheia de conclusões apressadas, provavelmente ainda mais do que a ciência. Há 2 mil anos, haviam cerca de 300 milhões de pessoas em todo o planeta. Numa de suas grandes cidades, Roma, o grande circo do povo era realizado dentre os muros do Coliseu, onde homens se digladiavam até a morte, ou eram devorados por bestas ferozes, para o delírio do público, e de seu imperador. Por todo o mundo dito civilizado a escravidão humana era perfeitamente aceita, e mesmo os grandes sábios da época antiga pouco tocaram no assunto. Por milhares de anos as mulheres foram relegavas a uma espécie de limbo governamental – não podiam exercer cargos de governo, não podiam aprender a ler e escrever, não podiam decidir os rumos da política, e muitas vezes foram tratadas como meros objetos, moedas de troca, por seus maridos. Há muitos ditos cristãos que, ao longo dos tempos, criam piamente que nem escravos nem mulheres tinham alma – e há muitos que mesmo nos dias atuais ainda acreditam que animais tampouco às têm.

Não ter alma significava não somente não ter a possibilidade de um dia adentrar o céu, como também significava um status sub-humano, como se Deus operasse pela criação de todo o Cosmos para que apenas os homens de certa etnia pudessem ganhar, afinal, uma alma.

Provavelmente houveram épocas felizes, quando algum imperador dizimou todos os exércitos de uma dada região, e depois a anexou ao império, e os camponeses e seres simples puderam gozar de certo período de paz. A violência, porém, obviamente sempre existiu... Há mil anos atrás não existia a televisão para divulgar quando uma jovem foi encontrada violentada e morta a poucos quilômetros de sua vila. Quando hordas de bárbaros passavam pelas pequenas cidades da Europa, estuprando, torturando, esquartejando a todos, tampouco isso chegava aos ouvidos dos camponeses a 100 Km dali, quanto mais ao resto do mundo.

Dizem que a moral é baseada nas normas de boa conduta de uma dada sociedade, e a ética, por sua vez, seria um conjunto de preceitos universais de vida em sociedade, de igualitarismo, de direito de liberdade, de civilidade, de compreensão, e acima de tudo: de amor. Quando os “conservadores” falam em involução moral, talvez estejam até utilizando o termo correto: pois, para um grupo cuja doutrina social afirma que o homossexualismo e a promiscuidade são tão ou mais condenáveis quanto os assassinatos mais cruéis (podem não afirmar isso abertamente, mas convenhamos, a maior parte pensa dessa forma), certamente a época moderna, da emancipação da mulher (para fazer sexo como bem entender) e dos direitos dos homossexuais, será uma verdadeira decadência moral. Mas isso não significa que a moral de alguns fale pela ética de todo um planeta.

» Na continuação, a evolução espiritual, a sabedoria da Natureza, e uma possível mudança de era...

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Crédito da foto: Colin McLurg

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