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30.8.13

Há arte na guerra?

Tudo começou quando descobrimos como plantar e estocar grãos. Foi então que deixamos de ser caçadores-coletores para começarmos a nos tornar “donos de terras”. Então, outros caçadores perceberam que era menos arriscado saquear a comida estocada de aldeias pacíficas do que caçar animais ferozes. E, finalmente, houve outros guerreiros caçadores, talvez mais espertos, que se ofereceram para proteger as tribos em troca de um pagamento em grãos. Isto foi a origem dos exércitos e, de lá para cá, todas as guerras foram iniciadas por motivos muito parecidos.

Embora os governantes e generais tenham tentado convencer aos demais dos motivos de suas guerras se valendo das lendas e propagandas mais elaboradas, a verdade crua é que continuamos fazendo guerra por interesse em recursos, territórios e riquezas.

Se há eras atrás nos satisfazíamos com um saque de grãos, com o tempo as riquezas minerais, particularmente o ouro, passaram a ser o foco principal das guerras. Hoje em dia guerreamos por petróleo, o ouro negro, pelo menos até que ainda reste um barril que seja por ser extraído dos confins da terra. Isto por si só explica porque o primeiro mundo não se interessa em fazer “guerras preventivas” na África, onde temos ditadores tão ou mais sanguinários quanto no Oriente Médio. Mas no mundo árabe, como sabemos, há ainda bastante ouro negro. Enquanto houver petróleo, ainda haverá guerras por lá – quem sabe ainda tenhamos mais um século de conflitos...

Depois, o que será? Lítio? Diamantes? Uma volta ao ouro? Tanto faz, os caçadores se tornaram sedentários, mas parece que ainda há uma parcela da alma humana que insiste em permanecer coletora.

Abordando a guerra por esse aspecto, fica difícil imaginar onde Sun Tzu, lendário estrategista militar da China antiga, viu alguma “arte” nesta atividade. O grande paradoxo do seu célebre tratado, A Arte da Guerra, é exatamente o de expor os horrores da guerra enquanto aconselha a melhor forma de realizá-la.

A grande questão oculta nele, emprestada do taoísmo, é o reconhecimento de que a guerra é terrível, mas também inevitável, e o seu aconselhamento se dá precisamente numa abordagem de “suavização do horror”. Ora, se a guerra é inevitável, cabe ao bom governante e estrategista tratá-la com muita seriedade, e só enviar seus soldados para as batalhas que possam efetivamente ser vencidas.

Em realidade, o que Sun Tzu nos ensina é que quase todas as batalhas já estão ganhas ou perdidas antes mesmo de haverem se iniciado. É precisamente o conhecimento das inúmeras variáveis envolvidas na guerra que faz os vencedores e os perdedores.

Mas a excelência suprema ainda se encontrava em conhecer tão bem o inimigo ao ponto de conseguir vencê-lo sem que nenhuma batalha fosse necessária: seja pela diplomacia, seja pela propaganda, seja pelo suborno ou até por vias mais obscuras. Evitar o derramamento de sangue seria sempre uma estratégia superior, uma legítima arte.

Era isto que também nos advertia o Tao Te Ching...

Caso um rei peça conselhos a um mestre do Tao,
que o seu conselho não seja
“exibir a glória do reino pela força de suas armas”.
Tal ação certamente encontraria uma reação.
Toda força excessiva logo encontra outra força contrária.

Sempre que um exército permanece muito tempo estacionado,
o campo desaparece, e surgem os espinhos.
Onde quer que se encontrem grandiosos exércitos,
a colheita será pobre.

O general virtuoso realiza o ataque decisivo, e retrai.
Vence uma batalha, e poderia vencer ainda outras,
mas este seria um risco.
Ele não deseja alardear sua habilidade de estrategista,
nem saquear e destruir todos os reinados em seu caminho.
Ele entra na guerra por necessidade,
jamais para exibir a força de sua armada,
e nem mesmo pelo desejo da conquista.

Quando os homens recorrem à força excessiva,
quando são violentos,
eles logo envelhecem.
Pois a violência se opõe ao Tao,
e tudo o que se opõe ao Tao morre prematuramente.

Esta é a “advertência contra a violência”.


Tao Te Ching, verso 30 (tradução de Rafael Arrais)

***

Este texto será parte do Prefácio do próximo lançamento das Edições Textos para Reflexão: A Arte da Guerra, de Sun Tzu.

***

Crédito da imagem: Ayon (esta será a capa do nosso livro)

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2 comentários:

Anonymous Anônimo disse...

Acho que há um erro no texto:
E, finalmente, HOUVERAM outros guerreiros caçadores, talvez mais espertos, que se ofereceram para proteger as tribos em troca de um pagamento em grãos.
Verbo haver no sentido de existir é impessoal.
Acho que o correto seria:
E, finalmente,HOUVE outros guerreiros caçadores.....

11/12/14 11:25  
Blogger raph disse...

Foi corrigido, obrigado :)

12/12/14 09:59  

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